quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Vovó foi morar no céu


Foi no dia 5 de junho. Depois do susto e durante dor, tivemos que pensar em como contar, para um rapazinho de 4 anos recém completados, que a vovó dele faleceu.

Não houve um período de preparação. Ela tinha um monte de doenças, mas também era dona de uma alegria, uma animação e uma vontade de viver incomum. Era uma pessoa singular. Meu filho conheceu uma vó que não negava fogo quando o assunto era festa, folia ou piada. Que fazia o bolinho na gordura especial pra ele, sempre dando risada, fazendo resenha.

Aí ela morreu. Se sentiu mal, teve febre e dor. Foi para o hospital de madrugada, faleceu no início da tarde. Até a doença foi difícil de explicar. A mãe de papai ficou com uma dor no braço e, como ela era velhinha, não aguentou e foi morar com Papai do Céu. (Na verdade, ela desenvolveu uma espécie de herpes que ataca o nervo e dói, muito. No caso dela, o nervo do braço. Tinha 68 anos, velhinha pra quem só tem 4)

Cacá se lembrou logo de uma bolha que a vó teve no dedo uma vez e associou as duas coisas. "Se papai não tivesse furado o dedo dela, ela não tinha ido morar com Papai do Céu, né mãe?" "Não filho. Não foi isso não. A doença de vovó não foi por causa disso..."

A gente resolveu dizer pra ele como era um velório e se ele queria ver. Disse que vovó estaria deitada numa caixa grandona, que ia ter um monte de flores, que ia parecer que ela estava dormindo, mas que ela não ia acordar nunca mais. Ele respondeu prontamente: "Quero ir, mãe!" A gente respeitou e ele foi.

Caio se comportou como o menino doce e tranquilo que ele é. Botei ele no colo pra ver a vovó. Ele percebeu que parecia que tava dormindo, mesmo. Não chorou, não tem o entendimento necessário para isso. Mas ficou quietinho, pensando... É claro que, depois de um tempo, ele foi brincar lá fora, correu e e subiu nas grades da igrejinha - como é típico dele.

O que ninguém esperava foi a iniciativa dele, de ir lá no jardinzinho, pegar uma florzinha e atravessar a igreja toda, caminhando devagar e colocar a florzinha dentro do caixão. Aquilo doeu, porque eu vi que ele percebeu o peso da situação. Ele voltou, atravessou a igreja toda de novo, caminhando devagarzinho, e subiu no meu colo. Depois foi brincar lá fora...

Levamos Cacá ao enterro. Ele se divertiu no parquinho que tem no cemitério. Foi bom. Ele não precisava guardar mais essa imagem na lembrança.

Depois de algum tempo, a saudade bateu. Peguei ele chorando umas duas vezes. "Saudade de vovó Lourdes, mãe". Às vezes eu dizia que ele a veria na imaginação, ou no sonho. Às vezes, que eu também estava com saudade. Ou então só me emocionava com ele.

Um dia, Cacá disse que estava doido pra ir logo morar com Papai do Céu, pra ver vovó Lourdes. Como se explica uma coisa dessas pra uma criança? Meu Deus! Eu disse que ele ia ficar bem velhinho antes que isso acontecesse. A conversa descambou pro lado de quem já era velho e quem não era, quem tinha cabelo branco e quem não tinha... e se aliviou.

Enfim, as demonstrações de saudade estão mais raras agora. Quatro meses se passaram, talvez seja um bom tempo para um menininho. Ainda é difícil ir à casa dela.

Mamãe te ama, filho!

(Eu já estava com o texto quase pronto na minha cabeça há um tempão. Mas essa era uma boa hora para postar)